sábado, 6 de maio de 2017

Marisa e Paulinho juntos é samba mais nobre.



A nobreza da obra de Paulinho da Viola se (re)encontrou com a elegância do canto de Marisa Monte ao redor do universo do samba, em roteiro que gravitou basicamente pelo cancioneiro do compositor carioca e pela produção autoral de bambas da velha guarda da escola de samba Portela, paixão comum dos artistas que, 24 anos após apresentação na edição de 1993 no festival Heineken Concerts, se reuniram em show que roçou o sublime e que surpreendeu quando abarcou o repertório da cantora em belezas melódicas e poéticas como De mais ninguém (Marisa Monte e Arnaldo Antunes, 1994). Tanto que o bis culminou com o tempero roqueiro de Comida (Marcelo Fromer, Sergio Britto e Arnaldo Antunes, 1987), sucesso do grupo paulista Titãs gravado ao vivo pela cantora em álbum de 1989 e encarado timidamente no refrão por Paulinho (ao cavaquinho) com breve contracanto ("De que?").






Antes do show começar e de se apagar a luz da plateia que lotou mesas, poltronas e camarotes do Citibank Hall da cidade de São Paulo (SP) na noite de ontem, uma vitrola ao canto do palco reverberou o som do vinil de gravações produzidas por Paulinho para o histórico álbum Portela, passado de glória (1970). Ainda disperso, o público prestou pouca ou nenhuma atenção nos registros de sambas como Levanta cedo (Rufino), Se tu fores na Portela (Ventura), Desengano (Aniceto da Portela), Sofrimento de quem ama (Alberto Lonato) e Vaidade de um sambista (Francisco Santana) – reproduzidos na ordem do disco de 1970 – sem se dar conta de que ali, neste sambas, estava a senha para decifrar o mistério e o reino do samba que os nobres adentram no show Paulinho da Viola encontra Marisa Monte, cuja estreia nacional deu início ontem, 5 de maio de 2017, em São Paulo (SP) à miniturnê que até junho passará pelas cidades de Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ).



Anfitrião do espetáculo, Paulinho abriu o show, primeiramente a sós com o violão e depois com uma big-band formada por músicos que dominam o idioma do samba (e do choro). Nesse inicial bloco solo, o compositor cantou sete músicas. É a partir do oitavo número que Marisa entrou em cena e permaneceu até o fim do show para deleite da plateia. Já nessa aparição inicial, quando cantou Para ver as meninas (Paulinho da Viola, 1971) com fraseado lapidar, a cantora exibiu um brilho na voz que eventualmente andou escasseando em apresentações mais recentes, deixando preocupado o público da cantora.


À altura do status da intérprete, a voz de Marisa se mostrou em forma, dialogando com Paulinho na incomunicabilidade social de Sinal fechado (Paulinho da Viola, 1969), flerte do compositor com o universo da música erudita, e revivendo Não quero você assim (Paulinho da Viola, 1970), música que – revelou Marisa com a cumplicidade do compositor – foi feita com ideia (nunca concretizada) de ser enviada a Roberto Carlos. Título pouco ouvido do cancioneiro de Paulinho, Não quero você assim já tinha sido cantada pelos artistas no show que os uniu em 1993 sob a benção do violonista Raphael Rabello (1962 – 1995), mentor do primeiro encontro dos dois bambas no palco. Samba também incluído no roteiro desse show da década de 1990 e na sequência gravado por Marisa, A dança da solidão (Paulinho da Viola, 1972) evoluiu bem com o coro do público no refrão.

Na sequência, a lembrança de outro samba pouco cantado, Não quero contrariar você (Paulinho da Viola, 1970), citou a Portela, preparando o clima para um bloco mais informal que, no tom improvisado de roda de samba, sentados lado a lado, Marisa e Paulinho lembraram sambas e compositores emblemáticos na história da agremiação carnavalesca da cidade do Rio de Janeiro. Antes, contudo, a cantora puxou o lindo samba Universo ao meu redor, cantado posteriormente por Paulinho, e a já mencionada De mais ninguém. Parceria de Marisa com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, Universo ao meu redor – samba que batizou o álbum de 2006 dedicado pela cantora ao gênero – é prova de que o trio tribalista tem inspiração e talento para emular a nobreza da produção dos bambas da velha guarda.



Da lavra do único álbum do trio, aliás, Carnavália (Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, 2002) foi a deixa definitiva para começar o bloco dedicado aos compositores portelenses. "Hoje eu já sou velha guarda", reconheceria Paulinho quando, mais para o fim desse bloco, Marisa puxou o samba Foi um rio que passou em minha vida (Paulinho da Viola, 1970), ode à Portela.

Nesse longo e sedutor set aberto com Sentimentos (Mijinha, 1973) e dedicado aos bambas de glorioso passado, Marisa e Paulinho simularam bem um clima de naturalidade em que a conversa entre os cantores os conduziu pelo reino do samba portelense com joias de alta nobreza como Passarinho (Chatim, 1978), Dizem que o amor (Argemiro Patrocínio e Francisco Santana) – gravado por Marisa em 2002 no álbum Tudo azul, disco produzido pela cantora para registrar obras desses bambas – e Com lealdade (Alberto Lonato). Alguns desses sambas ganharam registros fonográficos no álbum Portela, passado de glória, casos de Sofrimento de quem ama (Alberto Lonato) e Quantas lágrimas (Manacéa).

Marisa se mostrou à vontade nesse reino encantado que lhe é familiar, inclusive pela ligação do pai da cantora, Carlos Monte, com a Portela. E cabe ressaltar que, com ar de diva e um canto límpido valorizado pelo gestual, Marisa se confirmou grande cantora ao dar voz a Preciso me encontrar (1976), introspectivo samba de Candeia (1935 – 1978) que a artista gravou no já histórico primeiro álbum de 1989.



Também ela já referencial, a cantora soube valorizar toda a beleza da melodia centenária do choro-canção Carinhoso (Pixinguinha, 1917, com letra posterior de Braguinha, 1937), música que já cantara com Paulinho em documentário sobre o artista e que fez questão de bisar no show, na sequência imediata, com a adição do coro do público. Já a compositora exibiu justo orgulho quando lembrou que Talismã, outro samba do irretocável roteiro, tem melodia de Paulinho letrada por ela com o parceiro Arnaldo Antunes. Paulinho contou que encontrou a melodia, antiga, em cassete e fez o que chamou de "provocação" ao dar ideia de enviá-la a Arnaldo. Letrado com rapidez pelos parceiros orgulhosos, o samba foi gravado em 2007 por Paulinho e, no roteiro do show, foi sucedido por Timoneiro (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, 1996), samba puxado pelo compositor com a cantora entrando no refrão.

Na sequência final, antes do bis, Passado de glória (Monarco, 1970) trouxe o show de volta para o reino azul e branco. Mas estas cores se misturaram com o verde e o rosa da Mangueira em Esta melodia (Bubú da Portela e Jamelão, 1954), samba ilustre gravado por Marisa em 1994 por sugestão de Paulinho. Enfim, Paulinho da Viola encontra Marisa Monte no reino do samba mais nobre em show histórico que merece registro audiovisual para que, no futuro, fique perpetuado o glorioso momento presente dos artistas.



Eis o roteiro seguido em 5 de maio de 2017 pelos cantores e compositores cariocas Paulinho da Viola e Marisa Monte na estreia nacional do show Paulinho da Viola encontra Marisa Monte no Citibank Hall da cidade de São Paulo (SP), onde a turnê fica em cena até 7 de maio:

Abertura:
Levanta cedo (Rufino) /
Se tu fores na Portela (Ventura) /
Desengano (Aniceto da Portela) /
Sofrimento de quem ama (Alberto Lonato) /
Vaidade de um sambista (Francisco Santana) – reprodução de gravações do disco Portela, passado de glória (1970) antes da entrada em cena dos cantores e dos músicos


Paulinho da Viola:

1. Tudo se transformou (Paulinho da Viola, 1970)

2. Coisas do mundo, minha nega (Paulinho da Viola, 1978)

3. Ela sabe que eu sou do samba (Paulinho da Viola)


4. Ainda mais (Paulinho da Viola e Eduardo Gudin, 1998)

5. Pecado capital (Paulinho da Viola, 1975)

6. Onde a dor não tem razão (Paulinho da Viola e Elton Medeiros, 1981)

7. Roendo as unhas (Paulinho da Viola, 1973)


Paulinho da Viola e Marisa Monte:

8. Para ver as meninas (Paulinho da Viola, 1971)

9. Sinal fechado (Paulinho da Viola, 1969)

10. Não quero você assim (Paulinho da Viola, 1970)

11. Dança da solidão (Paulinho da Viola, 1972)

12. Para não contrariar você (Paulinho da Viola, 1970)

13. Universo ao meu redor (Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, 2006)

14. De mais ninguém (Marisa Monte e Arnaldo Antunes, 1994)

15. Carnavália (Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, 2002)

16. Sentimentos (Mijinha, 1973)

17. Dizem que o amor (Argemiro Patrocínio e Francisco Santana, 2002)

18. Passarinho (Chatim, 1978)

19. Com lealdade (Alberto Lonato, 1970)

20. Quantas lágrimas (Manacéa, 1970)

21. Sofrimento de quem ama (Alberto Lonato, 1970)

22. Preciso me encontrar (Candeia, 1976)

23. Foi um rio que passou em minha vida (Paulinho da Viola, 1979)

24. Carinhoso (Pixinguinha, 1917, com letra posterior de João de Barro, o Braguinha, 1937)

25. Carinhoso – reprise

26. Talismã (Paulinho da Viola, Marisa Monte e Arnaldo Antunes, 2007)

27. Timoneiro (Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, 1996)

28. Passado de glória (Monarco, 1970)

29. Esta melodia (Bubú da Portela e Jamelão, 1959)


Bis:

Paulinho da Viola:

30. Coração leviano (Paulinho da Viola, 1977)


Paulinho da Viola e Marisa Monte:

31. Comida (Marcelo Fromer, Sergio Britto e Arnaldo Antunes, 1987)

Fonte :G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário